segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Olha pra mim!

Cá estou eu senhor, sentado neste banco de praça esperando somente a hora de tu vir me buscar, pois meu peito está muito lento, sinto o coração fraquejando. É essa a hora não é senhor? Espero ter feito direitinho meu papel durante toda a vida. Pelas minhas lembranças dei esmola, tentei de todas as formas não ser injusto com ninguém, se fiz julgamentos precipitados errando minha decisão sobre alguém, me perdoe, pois não sou como o senhor que tudo sabe. Dei alimento a quem precisava, colaborei em ONGs e associações sem fins lucrativos, paguei meus impostos em dia para não dever aos homens também. Sempre fui à igreja senhor, nunca faltei nenhum dia, chegava atrasado, mas não deixava de ir. Sabe como sempre fui temente a sua palavra e a seus ensinamentos, segui tudo aquilo escrito em seu livro sagrado. Então senhor, quando vier me levar, se for nesta tarde, que não doa, pois dor no momento da libertação deve ser a pior última sensação.
Orando dessa forma o homem foi acalmando seu coração, suas veias de oitenta anos pararam de receber o sangue, já não bombeava mais nada o órgão. Faleceu sem dor, como pedido.
Fonte: http://olhares.uol.com.br/velho-sentado-num-banco-no-jardim-foto5220040.html
Crédito da imagem: Rui Correia

Abriu os olhos. Havia muita luz a sua volta, tudo era muito branco, cobriu a face com o antebraço tentando ver melhor com a sombra proporcionada.
Senhor? Ansiava o velho, está aí senhor? Obrigado por me trazer para seu lado, passar minha eternidade.
Quem disse que passará a eternidade a meu lado? Ecoou uma estrondosa e distante voz metálica, por acaso tentou comprar aqui sua entrada com aquela última ladainha seu velho desgraçado?
Mas senhor, não entendo por que dizes isso comigo, sempre fui tão fiel a tudo.
Fiel a tudo? Tua esposa? Quantas doenças não passaste para ela? E teus filhos? Condições miseráveis os deixaste. Se não me engano, velho filho da puta, não havia ninguém a seu lado na hora de sua morte, nem visitas recebias mais naquele pedaço de parede que chamavas de casa. Ainda queres me enganar dizendo ser um bom homem?
Mas senhor, não tenho culpa dessas coisas, minha esposa era uma adúltera também, com quantos homens ela não deitou? Será que não fui eu senhor quem contraiu aquelas doenças passando para minhas amantes? Vê senhor, eram meus filhos? Não se fazia DNA no meu tempo, como poderei amar criaturas que nem sei se são meus?
Isso não justifica, repetia a voz mais estridente ainda, mais alta, mais metálica, próximo de uma guitarra, você foi um miserável toda a sua vida e não alcançará redenção aqui ao meu lado. Vá e pague o que deves no inferno, se lá compreenderes o mal que fizeste irei repensar teu caso.
Um imenso tubo anelado de metal polido, brilhante, surgiu do alto sugando o velho, levando sua carne, sangue e ossos, tragando toda a alma do ancião para um lugar distante. A última visão do homem, antes de sumir dentro daquele tubo, foram imensas caixas de som com milhares de luzes equilibradas em pedestais. Não entendeu nada daquilo.

As luzes se apagaram, ficando apenas um ponto claro ao fundo de tudo. Dois homens sentados conversavam: Você acha que ele engoliu a conversa com deus? – Não sei, mas está cada dia mais difícil enganar, lembra daquele último que mesmo correndo o risco da cegueira descobriu os olhos e viu essa parafernália toda? Porra, quase não dava pra conter ele, ficou histérico o desgraçado. – Ah, mas também vê o que ele ouve na terra, quantas religiões não tem por lá? Quem iria acreditar que depois da morte a gente traz para o hiperespaço a consciência existente dentro deles? Nunca iriam acreditar na inexistência da alma, seria impossível depois de tantos séculos de crendices e sem tecnologia igual a nossa. – Mas aquele cara alertou a eles, escreveu até um livro dizendo que os deuses erámos nós! As visitas de nossas naves nos céus da terra, não é o suficiente para acreditarem? – Eles ainda não alcançaram nosso grau de conhecimento, enquanto não chegar esse dia teremos que continuar a usar essas luzes fortes, esse sistema de som e tudo o mais necessário para encaixar cada descrição de deus com cada religião que existe lá embaixo. – A gente podia usar um sistema de hologramas e leitura de mentes para deixar mais aproximado ainda do conceito de cada figura que aparece. – A gente senta com os outros encarregados de recepção de consciência depois do expediente de hoje e decide. – Ah, depois do expediente um cacete, hoje eu vou sair com Ahoisahjoidhasoidaa, não tem condições de reunião, deixa pra outro dia. – Cabra bom hein! Conseguiu levar ela. – Mulher é mulher, não dá pra ficar sem né?



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